Organização Política
Nas tribos Gê, os velhos têm papéis específicos e geralmente gozam de muita estima (Seeger, 1980:62). O mesmo acontece com os Maxacali. Os anciões e os chefes de famílias extensas exercem grande influência através de suas opiniões. Nimuendajú diz que na sua visita de 1939 encontrou dois "chefes" maxacali; ambos possuíam status e exerciam influência sobre o seu povo. Ele os considerou especialistas em religião e em rituais. É interessante notar que, durante os vinte anos que tivemos contato com esse povo, não conseguimos descobrir a palavra para "chefe". Parece desconhecerem até o próprio conceito que o termo expressa. Talvez antigamente a tribo possuísse esse tipo de líder, mas sob a pressão de aculturação forçada, este tenha sido substituído por uma pessoa indicada pelo governo. Isso é possível, embora na nossa opinião não seja provável. O grupo é independente demais para se render de modo tão fácil. Parece mais provável que os Maxacali nunca dispuseram de tal tipo de liderança, mas que os oficiais da sociedade dominante impuseram-no ao povo, a fim de governá-lo com mais facilidade, como também de lhe suprir o que aos oficiais parecia uma deficiência cultural.
Foi impossível distinguir tal categoria de pessoa na sociedade, tampouco um termo referente a alguém como "muito importante". Os sábios são os anciãos (tik kutut xop) e os avós (xuxyã xop), que possivelmente são os mesmos. Nenhum deles são líderes indicados. Usa-se na região o título português capitão para referir-se ao cacique indígena. Na primeira metade do século, alguns homens levaram esse título como parte integrante do seu nome português, dando a entender que alguns de fora os haviam nomeado "caciques". Com muita dificuldade, pessoas se lembram desses nomes hoje. Alguns deles são: Capitão Antônio, Capitão João, Capitão José, Capitão Miguel, e João Capitãozinho, que ainda vive.
Em 1959 o chefe do posto em exercício nos apresentou Adolfo, um homem musculoso, com cerca de 30 anos. O chefe do posto explicou que Adolfo era o "capitão" dos Maxacali, o que este confirmou com toda solenidade. Ele era casado com uma moça neobrasileira, filha de um intruso da reserva, e era o indivíduo mais bilíngüe que encontramos. Porém, não passou muito tempo para percebermos que ele não tinha prestígio dentro da tribo da qual era representante e que não tinha voz ativa nos assuntos internos. Sua avó paterna foi uma cativa ou uma refugiada da terrível tribo botocudo (conhecida historicamente como inimiga mortal dos Maxacali), e seu pai foi morto por ter praticado feitiçaria. Alguns homens se surpreenderam ao descobrir que Adolfo era chamado de "capitão", e perguntaram: "Quem lhe contou que ele é o capitão?"
Procurei recompor-me diante da pergunta inesperada e gaguejei: "O chefe do posto me contou, eAdolfo confirmou isso." Os homens entreolharam-se e riram. Um deles acrescentou: "Se Adolfo confirmou isso, então deve ser a verdade." E ambos saíram dali rindo. Através das observações, começamos a ver que os cabeças dos grupos patrilineares eram os líderes cuja opinião exercia maior influência. Nunca encontramos uma pessoa que se destacasse como sendo mais responsável ou mais importante que outras. Os Maxacali possuem um governo muito igualitário; os líderes formam um conselho que expressa opiniões de consenso geral, e não um grupo de pessoas que dá ordens aos outros. As habilidades individuais variam muito; uns têm mais influência e carisma que outros, mas ninguém tem o direito de dar ordens aos outros.
Parece que os antigos chefes de posto foram muito astutos pois descobriram quem eram os homens mais influentes da sociedade antes de indicarem alguém como chefe. Conseguiram, de algum modo, comunicar com o grupo monolíngüe. Anos mais tarde, os oficiais dos governos seguintes queriam somente contar com alguém que transmitisse suas ordens aos subordinados da sociedade, e, para isso, era primordial que a pessoa escolhida para ser "capitão" fosse um tanto bilíngüe. Em troca de serviços prestados ao agente do posto, esse "capitão" recebia certos favores especiais tais como uma casa de taipa, um cavalo e talvez um pouco de comida. Adolfo nunca teve de trabalhar nas roças para sobreviver, como outros faziam. Ele sabia como conseguir favores políticos como qualquer político do interior. Entretanto, mais de uma vez, ele foi acusado de praticar magia negra, e por pouco escapou com vida.
Nos últimos anos, houve outras tentativas de designar certos homens como "capitães" a fim de preencher uma lacuna considerada pelos agentes do posto como uma deficiência da estrutura social dos Maxacali. A nossa posição quanto a isso, correspondente à de Baldus (1977:224), é que a organização social e política de uma sociedade sempre sofre dano quando o agente do governo desrespeita os tradicionais líderes do grupo, ao nomear uma pessoa do seu agrado para executar os serviços de chefia.