Continuidade
Continuidade em Face das Mudanças
Ribeiro ressalta que as tribos brasileiras se defrontam com os seguintes desafios cruciais:
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Sobreviver como um grupo já seriamente ameaçado de extermínio.
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Resguardar sua identidade e autonomia étnica a fim de não serem abruptamente subjugados por agentes da sociedade nacional, a cujos desígnios tenham de submeter seu próprio destino.
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Assegurar a continuidade de sua vida cultural mediante alterações estratégicas, para evitar a desintegração do seu sistema social e a desmoralização do seu conjunto de crenças e valores (Ribeiro, 1977:220-22).
Entre o transcorrer da segunda e quarta década deste século, os Maxakali foram forçados a redefinir a fragmentação da sua estrutura social. As florestas desapareceram e, com elas, a caça. Eles foram expulsos a tiros por violação de propriedade a qual sempre consideraram como sua. Cerca de 75% da tribo foi dizimada por epidemias, o que os deixou diante de uma extinção inevitável. Até mesmo Nimuendajú se referiu ao grupo, ao visitá-lo em 1939, como "os últimos dos Maxakali". Alguns anos mais tarde, havia ainda menos representantes dessa tribo. Isso forçou-os a efetuarem mudanças drásticas no seu estilo de vida.
Ao contrário das sociedades andinas, que possuem sistemas econômicos e sociais altamente desenvolvidos (Bastien, 1978:120), a economia maxakali baseava-se simplesmente numa subsistência de caça e coleta. Quais seriam os conhecimentos que um descendente de nômades teria sobre os conceitos de propriedade e salários que impulsionam uma sociedade industrial? Além disso, o grupo teve pouco tempo para se adaptar ao ataque violento de uma sociedade industrializada e expansionista. O acelerado ritmo de mudança torna-o sempre mal equilibrado. A sociedade dominante considera os grupos tribais somente capazes de exercer funções agrícolas ou de cumprirem trabalhados não-qualificados – funções não agradáveis aos grupos como o de maxakali.
Em 1940 os Maxakali enfrentaram os mesmos problemas de depopulação entre os Kaingáng e os Urubu-Kaapor: não havia mais indivíduos casadouros disponíveis; a sociedade desejava manter os princípios que sempre governaram sua estrutura social, mas agora encontrou-se diante de uma ordem: "mudar or perecer". Se não for achada uma solução para a geração atual, a próxima nem estará ali, à espera do que quer que fosse.
Não abandonamos facilmente as crenças observadas com rigor. Os Maxakali ainda asseguram a superioridade do casamento com a prima cruzada matrilateral e insistem que a prima cruzada patrilateral não é um parceiro com quem se possa casar. Antes desse estudo estatístico dos casamentos atuais, pensei que jamais alguém tivesse se casado com a filha da irmã do seu pai. Talvez através dos anos, casamentos desse tipo (com avó) fossem considerados como incestuosos, mas, por motivos de conveniência, fez-se uma simples reinterpretação das regras referentes ao casamento. No que diz respeito à geração mais velha, a regra mais importante é que o Maxakali não pode se casar com um parente (xape), mas deve escolher um parceiro dentre aqueles ele define como "não-parentes" (puknõg).
Quando os neobrasileiros afirmam que "não se deve casar com um parente", os Maxakali concordam plenamente, mas não estão cientes de estarem se referindo aos conceitos diferentes. Outra regra muito importante é que os Maxakali não podem se casar com neobrasileiros ('ãyuhuk). Na verdade, há realmente poucos casamentos com pessoas não-maxakali. Uma das razões é o fato de os neobrasileiros considerarem o casamento com um índio como uma descida no escalão social, e o orgulho dos Maxakali não os permite se desfazerem de sua auto-imagem para aceitar a humilhação a eles atribuída pela sociedade dominante. Outra razão é o desprezo dos Maxakali para com aqueles que não são verdadeiros Maxakali (tikmũ'ũn yĩnmũn). Os filhos mestiços, resultados de uma união dessa natureza, não são totalmente aceitos por nenhum dos grupos; as mulheres mestiças enfrentam muitos problemas em contrair um casamento.
Durante o transcorrer dos últimos cinqüenta anos, os Maxakali casaram-se tantas vezes dentro dos grupos familiares que, como no caso dos Urubu-Kaapor, é quase impossível achar um cônjuge com quem não se tenha já outra ligação genealógica, tanto na linha paterna como na materna. A única maneira de os Maxakali sobreviverem como uma sociedade é ignorar os laços de parentesco do lado paterno, porque o casamento ideal sempre se realizou com parentes do lado materno. Afinal de contas, a prima cruzada patrilateral é só um "parente distante" (hãptoxhã) do ego, e não um vínculo importante. Ser um parente distante significa que, às vezes, é possível obter aprovação para um casamento com alguém dessa categoria, como é o caso de Joviel e Neuza. Quando há exceções, estas são em relação aos parentes cruzados. Ao falarmos em incesto, não nos referimos à proibição de casamento com um parente (xape), mas à proibição de relações sexuais com um parente paralelo. A filha da irmã do pai ainda é considerada como parente e, em princípio, a união com tal pessoa não é aprovada pela sociedade, embora já se realizou esse tipo de casamento sob um pretexto ou outro.
A geração mais jovem afirma que se "deve casar-se com alguém de quem goste". Isso pode nos parecer uma mudança ao estilo dos ocidentais: "casar-se por amor". Não se pode esquecer, todavia, que os Maxakali desde pequenos, são criados com a noção de quais são ou não casadouras. Eles sabem com quem usam ou não termos de parentesco. É raro casar-se com alguém a quem se dirige por um termo de parentesco, tal como a filha da irmã do pai (avó). Porém, para evitar as ameaças de uma extinção certa, algumas pessoas chegaram a rejeitar o valor tradicional ao escolher cônjuges casadouros. É de extrema importância manter o índice de natalidade acima do de mortalidade, e para isso a sociedade está disposto a quebrar algumas regras, garantindo a sua sobrevivência.